sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Da ilusão.

Aí você é linda. Na flor da idade. Dentes reluzentes e olhos curiosos. As pernas suportam o salto nos sambas e nos velórios. Você é linda e sabe o que quer. É linda e sabe que eles te querem. Os cabelos estão bem tratados, a boca firme, o lápis contorna os olhinhos infantis.
Tem dentro do peito o suporte para o seu homem e no colo carregaria suas mágoas e as dele juntas. Porque aos olhos de outrem ele é um leão viril e a você ele ronrona gostoso que te beija e você gosta.
Ele te liga. É meio sério. Sabe jogar. Diz o que você quer escutar. E quando sobra créditos no celular e álcool no sangue também diz às outras o que elas querem ouvir.
            Você já desconfiou disso, mas como não há provas, ficou de lado. É ciúme besta e desbaratado, ciúme juvenil que você precisa se livrar. Ele não merece suas injúrias. Até o dia em que passa a não fazer o que você gosta e aí você percebe o troféu monumental que é.
Pode ser que você tenha até se casado com ele e todas as repressões podem ter-lhe parecido ser os desígnios do Senhor. Você ainda idealiza seu amor, ainda quer as carícias do seu menino vadio, ainda quer os lábios dele nas suas costas, mas passou. Era o tempo. Você nem percebeu, está um pouco menos linda, mas ainda a ponto de carregar toda a beleza do mundo em sua aflição. Você quer uma fuga, e foge!
Foge, mas ainda gosta do boçal que pede para que você tire o vermelho das suas unhas e dê espaço à rendinha que é mais comportada. Ainda gosta do rapaz que controla o cumprimento do seu cabelo, como quem lustra seu troféu inerte e devidamente posicionado na estante. Ainda gosta do rapaz que não vai com seu vestido novo e que nunca reparou no seu scarpin, e nem sequer sabe que você está de soutien novo.
Até o dia em que você se lembra daquele outro dia em que aconselhou fulana,enxugando suas lágrimas, a não ficar com beltrano porque ele era por demais sórtido à ela.

sábado, 25 de setembro de 2010

Do adultério.

- Oi...
- Alô. Tudo bem com você?
- Vivo!
- O que você está fazendo?
- Procurando meu isqueiro.
- Bebendo?
- Aquele uísque que ficava guardado na prateleira.
- Você precisa melhorar esse seu estado, Gil!
- Vou desligar.
- Não, não desligue.
-Por quê? Não vai me dizer que você quer vir aqui em casa para eu satisfazer todas as suas loucuras até que você não aguente mais e feche as pernas.
- ...
- Não quer falar?
- Eu quero!
- Estou aqui, mas, não vou te receber hoje.
- Eu preciso Gio.
- Eu sei.
- Eu preciso Gio!
- Pelo visto seu marido viajou outra vez.
- Não. Ele está dormindo.
- Traga uísque e trate de não chorar dessa vez.


- Como você foi rápida.
- Tem cigarro?
- Na mesa.
- Você nunca vai aprender a tragar. Por que não para de tentar?
- Você sabe que o cigarro me excita.
- Como você é falsa!
- Me toque. Sinta meu cheiro. Vem.
- Puta.
- Não, Gio.  Você vai rasgar minha camisa. Gio, meu cabelo. Ai! Ai Gio... Gio... Gio... Isso.


- Não há euforia e desejo além das farsas pornôs e das traições, não é?
- Não sei do que você está falando.
- Ah sim. Acabou o seu tesão. Você já se recompôs.
- Minha camisa está rasgada, Gilberto.
- Sem mais nenhuma palavra. Pode ir. Cabeça abaixada e muito silêncio. Vá mastigando seu orgulho até à porta. Não coloque seus óculos até esteja dentro do elevador, assim você não repara a torneira pingando, o pôster do Coltrane que você detesta, o café espalhado na mesa, a poeira e os cinzeiros.
- Você não presta!
- Me dê logo esse copo e os cigarros que preciso terminar o Lobo Antunes.
- Por que? Que merda! Merda!
- Porque a gente quase sempre soube, Rita... Feche a porta!

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

De vez em quando, a gente, sempre...

Sim, a gente quase sempre soube.
Do improvável;
Da perda;
Dos amores...
Dos poemas que estavam escondidos;
Daquela ligação de meio minuto;
Das línguas;
Das rupturas;
Do retorno do amigo pródigo;
Do cheiro que existe dentro de casa;
Do cheiro que existe fora de casa;

e a gente se eternizou...